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domingo, 7 de março de 2010

Um dia de morte

O querer não tem lugar, e as estrelas se deslocam do seu centro estridentes, sem vontade, sem palavras, sem dor, sem porque nem pra quê, sem glórias e sem saudades. A senhora caminhava em direção àquele portão enferrujado que em outros tempos era dourado e brilhava quando o sol batia em frente à casa.

Tudo havia em outros tempos e a senhora ali parada corria os dedos no portão enferrujado. Era um dia de morte sem defunto. Sem eira nem beira, sem ninguém pra abrir a porta. Apenas a espera de um acontecimento, já que aquela casa não era sua, nunca havia sido parte de um passado que poderia ser considerado seu.

Mas agora ela estava ali. Como se sua história estivesse sendo contada a partir daquele portão. Como tudo que naquele momento estava sendo desenhado; a luz do sol de ferrugem na calçada; os cacos da vida; os carros; as buzinas e os silêncios; uma árvore suja com a fuligem cinza da fumaça dos ônibus.

Logo vieram os insetos e os cheiros da noite.

Palavra quebrada jogada no chão pontua o caminho andante sem alma. Pedrada na testa quebrada palavra pedaço de estrada na descaminhada.

Nada havia seu: ventania do Deus morto.

É assim pela porta trancada que se vê-entre-vê o escuro da casa. E a senhora continuou esperando na noite o que não se sabe. Derrotada pelo cansaço, sentou-se na calçada a meio fio da rua, das buzinas, dos passantes, do pipoqueiro... As pedras em volta da árvore pareciam seus pensamentos, pequenas calcificações, imagens cristalizadas.

Sempre acontecia e naquele dia não foi diferente. De novo as alucinações. Agora o olhar fixava-se nas janelas da casa descascada de pintura sem pintura; havia limo nas paredes. Casa que era sem ser, fechada. A senhora levantou-se, virando-se, em um gesto que assustou o rapaz que caminhava por ali.

Palavra quebrada no chão. A rua era silêncio, mas a senhora alucinava e pedia a alguém invisível que lhe entregasse a chave e os livros. Coisas esquecidas em um tempo remoto, só existentes ali, momento em que o invisível poderia recuperar o que havia sido perdido.

Vida quebrada, palavra no chão, tempo visível no invisível. Um dia que se foi fora dos trilhos, fora de dentro, à margem do tempo, à margem de casa e de tudo na rua.

Se você não pode me devolver o que te peço, volto outro dia, disse a senhora olhando o invisível. Nunca mais voltou. Nem o pipoqueiro soube notícias suas.

Escrito por Eloiza Gurgel
NO OLHAR DO POETA:
vídeo ensaio sobre a poesia "O que os olhos devoram" do poeta Èzio Pires.


Esse tecido conectivo que é o olhar, que nos põe em relação com o mundo, é o que possibilita que as imagens estejam diante e dentro de nós, em um perto-longe, nessa dupla distância ou nesse trânsito em que vemos no visível o invisível. Nada está apenas presente ou ausente. O que existe são rastros.

Escrito por Eloiza Gurgel

À TOA JÁ
N E L A S E S P E R A S


Escrito por Eloiza Gurgel

Em despedidas me perco nas crateras da internet .
Em tempestades de dowloads digite-me, visite-me, delete-me,
deleite-me, arquive-me.


RUÍNAS VIRTUAIS:
O TEMPLÁRIO DESOLADO OLHOU PARA AS ESTRELAS
CHOROU COMO UMA CRIANÇA
ESSE TERREMOTO CÓSMICO DUROU DOIS SEGUNDOS


Escrito por Eloiza Gurgel