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sábado, 14 de julho de 2012

Man Ray: Cadeau
Odilon Redon, 1891



ENCANTAMENTO

Toma-me, estou cega.
Tropeço em cadeiras empoeiradas. Vacilo.
Piso em criaturas bizarras de um quadro de Bosch.
Sinto em meus pés a língua mole
e o hálito morno de uma boca desdentada.
Tateio objetos, nadas que sobreviveram às tuas palavras.
Ainda guardo o caderno em que anotaste as nossas perguntas sem respostas.
Ontem caminhei vazia pelas ruas,
à deriva de mim mesma:
O “Eu ninguém” dos escritos de Hilda Hilst,
Eu porta aberta para uma ausência.
Quando desci as escadas rolantes do metrô,
senti-me estranha e feliz.
Certa urgência em sonhar-te.
Eu sei, eu sei... A vida deambulante dos loucos....
                                                              *
Ontem na rua, ouvi alguém dizer: “É preciso ser enorme pra saber ser sozinho”.
                                                              *
Sigo só, cão ruminando nas calçadas, e tu, tu és bicho espreitando o lixo em um domingo desapropriado. Cidade de ninguém.


Por Eloiza Gurgel