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domingo, 20 de maio de 2012

Errâncias

Em um mar aberto de segredos derramados,
navios vadios
sem timoneiros, destinos ou certezas,
levam anjos aturdidos e pálidos.
Impreciso navegar, indeciso sextante,
na desmedida dos astros
de sujeiras instáveis
de cadáveres estelares espatifados.

Os anjos choram.
A luz do espanto se esconde na parede esburacada.
O tempo da noite recomeçou
a cuspir estrelas, e os peixes a morrerem,
a sangrarem no mar.
A espera é morna e pesada nessa viagem
e a solidão do esquecimento é
amarga:  difusa loucura.

Há um poeta que sonha.
Alma inundada de mar a transbordar
absurdas paisagens.
Nesse derramamento, os náufragos ressuscitam
como bichos estranhos, furiosos.
Suicidas e palhaços,
mulheres com olhos cerrados
em travessias perigosas, revivem na névoa.

 
Por Eloiza Gurgel.

sábado, 19 de maio de 2012


furo a parede branca
para que a lua entre
e confira com a que,frouxa no meu sonho,
é maior que a noite.

(Paulo Leminski: Melhores poemas, Editora Global)



Por Eloiza Gurgel

Olhar interdito


Procura

Se escrevo Eu  
Dispo-me para Tu
Se escrevo Tu
Procuro encontrar Eu

Absência

No meio da tarde passou um caminhão    
Não sobrou nada
No território dos perdidos
Onde está Eu?

Achados

Vasculho-me acho-te em um redemoinho de farrapos  
Eu olha para Tu
Tu em farrapos
A cidade engoliu o tempo

Entremeio

No intervalo das linhas que me escreves invento-te    
Eu é para Tu
Eu é Tu?
Tu é desejo

Por Eloiza Gurgel
  PENSADORPENSADORPENSA
ADOR


Por Eloiza Gurgel

quarta-feira, 2 de maio de 2012



No meio da tarde passou um caminhão
Não sobrou nada
No território dos perdidos
Onde está eu?


O poeta e a cidade inventada

No Brasil, a sensibilidade moderna, afinada com os valores internacionais da arte e da política, tomou Brasília como o parâmetro de sua utopia. Exata, racional, desenhada, esta cidade estabeleceu os limites que separam a natureza da civilização, o cerrado da urbs. Seu caráter monumental acentua-se na enormidade da paisagem, nos seus espaços e silêncios.  Assim também a arquitetura, com suas formas  neutras e sóbrias  ocupam um lugar preciso numa cartografia que define o aproveitamento racional dos espaços, dos blocos, das quadras e das super-quadras.













 
Os versos de Nicolas Behr – poeta cuiabano, radicado em Brasília – identificam com ironia o desenho da cidade, o padrão geométrico da cidade-parque concebida por Le Corbusier e reproduzida por Lúcio Costa. O componente lúdico dos versos do poeta desestabiliza e ao mesmo tempo reafirma a beleza racional da cidade. Esta, com sua face de esfinge o interroga:

SQS ou SOS?
Eis a questão!
Blocos,
eixos
quadras
senhores, esta cidade
é uma aula de geometria

A utopia moderna de Brasília também encontra sua expressão nas imagens e metáforas criadas pelas vanguardas históricas como a do futurismo, que pretendia demolir o passado e celebrar o “homem multiplicado pelo motor”. Em seus estudos Le Corbusier refere-se aos “autódromos em cruz”, para circulação rápida em sentido único, norte-sul, leste-oeste, que constituem os dois eixos da cidade. “podemos entrar nos autódromos em cruz por qualquer ponto e atravessar a cidade e chegar ao subúrbio em alta velocidade, sem ter de enfrentar nenhum cruzamento”, sonhava ele.

As vias expressas de Brasília, como as de um autorama, controlam os deslocamentos dos automóveis no Plano Piloto, não deixam espaço para as calçadas. Com isso o pedestre tende a ser eliminado. A ausência de esquinas, e do rito de passagem dos passantes pelos espaços públicos é um traço radical da modernidade de Brasília, uma cidade sem ruas (HOLSTON).

Em Behr há uma tentativa de retomada das itinerâncias do pedestre. O poeta percorre a cidade a pé e não de automóvel, ele não vê o espaço urbano de forma geral e universalizante, mas mergulha no seu cotidiano, e assim a rua surge em forma de super-quadras, endereços codificados em letras e números formam um poema que se esconde nas formas esquadrinhadas das ausências e vazios de uma cidade que excluiu os passantes.

mapa na mão
olho no mapa
mão no olho
vamos tentar encontrar a cidade
    Behr em Brasília, 1978.

SQS 415 F 303
SQN 303 F 415
NQS 403 F 315
QQQ 313 F 405
SSS 305 F 413
seria isso
um poema
sobre Brasília?
seria um poema?
seria Brasília?

O mapa nas mãos do poeta errante não mostra apenas a cidade planejada, mas expõe uma cartografia poética que reinventa a modelagem espacial do geometrismo do urbanista Lúcio Costa e do arquiteto Oscar Niemeyer que projetaram Brasília.

Essa cartografia poética também contém os tempos da história, ela anuncia e atualiza a memória, em uma cidade sem ruas e sem multidões, assinalando a redescoberta de um passado que ficou soterrado, uma história que não foi contada. Em Porque construí Braxilia Behr recupera um passado recente da história de Brasília evocando a figura do operário que construiu a capital:

dedico este
canteiro de obras
(Jardim operário)
aos esquecidos de
deus que construíram
esta cidade de Brasília
e que, um dia,
construirão comigo,
em sonho e sem dor,
a cidade de Braxília
(pronuncia-se brakslha,
Canalha)

Ao contrário do discurso progressista que quer justificar a construção de uma nova nação, a poesia recupera o tempo e o sujeito esquecidos pela história contada pelos vencedores e dá a eles outros significados. No entanto, em Braxília o X representa a cruz original sobre a qual foi projetado o cruzamento dos dois eixos. Permanece a essência da cidade, em uma reconstrução.

imagine brasília
não- capital
não- poder
não- brasília
assim é braxília

Em um novo mapa da cidade, os versos de Behr assinalam o lugar do excluído no projeto moderno:

dor arquivada
felicidade protocolada
utopia adiada
Brasília é o fracasso
mais bem planejado
de todos os tempos.