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segunda-feira, 26 de julho de 2010

 2005-510117385-5 – A imagem do invisível

A matéria-prima da obra de Rosângela Rennó são os arquivos e inventários, a artista opera como uma colecionadora de restos. Em seu último trabalho – um livro catálogo doado para a Biblioteca Nacional e o Arquivo Nacional, Rennó digitalizou 101 imagens do século XIX, de fotógrafos como Marc Ferrez, Albert Frisch, J. Gutierrez e Benjamin Mulock. Mas ao abrir o livro, vê-se apenas o verso das fotos, variando do branco ao amarelado, quando muito vê-se o contorno dos barcos nas fotos de Ferrez, que se revela pela transparência do papel.

Essas fotos foram furtadas da Biblioteca Nacional em 2005, por criminosos nunca encontrados e devolvidas aos poucos para a instituição em péssimo estado de conservação. Para se retirar a identificação de origem das imagens, as fotos foram rasgadas nas bordas.

Em vez de direcionar o olhar para as imagens fotografadas, Rennó volta-se a sua destruição, reproduzindo o verso das fotos, com as margens rasgadas, quinas cortadas e marcas provocadas pela cola e seus escritos lixados e apagados com tinta guache.

A artista atuou como uma arquivista, reproduzindo todas as fotos devolvidas à Biblioteca Nacional, das 751 furtadas, reunindo-as pela ordem em que elas foram recuperadas. Em seu livro, um texto informativo relata a história do furto, realizado durante a greve dos funcionários da instituição, entre 2 de abril e 14 de Julho de 2005. O número do inquérito da investigação, até agora não concluída, 2005-510117385-5, é também título do livro.

A imagem cega é o que me move – diz Rosângela, que em “Blind Wall” (Parede Cega) pintou cem fotos de branco. – meu interesse é dar visibilidade a um material que, por alguma razão, é do interesse de alguma instituição tornar-se invisível (Jornal O Globo, 16/fevereiro/ 2010)


Marc Ferrez: Encouraçado Riachelo (Revolta da Armada, 1893)
 
Marc Ferrez: Ilha de Villegaignon (Revolta da Armada, 1893)
 
Henschel & Benque: Fazenda da Cachoeira
 
 Henschel & Benque: Fazenda da Cachoeira

2 comentários:

  1. Comovem-me os assuntos da memória. Outra vez Saramago em "Todos os nomes", quando vai atrás do arquivo da cidade. Cada vez mais distantes, ao fundo, às últimas prateleiras, em busca de um desasparecido. Essas personagens que se apagam, sim, que me parecem mais vivas sempre, mais lembradas procuradas instigantes, em ponto de fuga, onde alguém busca o inexorável.

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  2. E, complementando ainda: Sempre retornam, em outro tempo, personagens irreconhecíveis. Vestígio de um grave acidente, certo dia: o nascimento. Bjcs, tia Léa

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