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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Arthur Omar e o estilhaçamento do cotidiano

Arthur Omar é um artista multimídia que atua em várias áreas da produção artística contemporânea, com trânsito nos campos da antropologia e da etnografia. Em Antropologia da face gloriosa - título de um belíssimo ensaio fotográfico no qual o artista capta os estados gloriosos de rostos no transe carnavalesco – Omar apresenta o estilhaçamento da cotidianidade, na captura do aqui e agora do carnaval, na sua fugacidade. Em suas fotografias podemos observar o bárbaro, o difuso e o transversal de um Brasil, que segundo o artista, é a soma das faces gloriosas que ele possa sustentar. Aritmética dos êxtases (Arthur Omar, 1997, Antropologia da face gloriosa). Omar pratica uma antropologia que só é possível com a sensibilidade poética de um olhar que encontra na dialética da cotidianidade, vivida pelo homo sapiens que também é homo demens – louco-sábio – uma forma de compreender e ao mesmo tempo afrontar a gramática normativa da vida diária. Bachelard dizia que ver diferente é a condição necessária para continuar a ver...

(...) os sentimentos gloriosos são todos aqueles situados levemente acima do normal. Embriaguez, fascinação, paixão, comoção, desvario, frenesi. Através deles, o homem atinge uma outra ordem de experiência. Sua casa é outra, já não está mais protegido pelo recesso do lar ou pelo quadriculado do trabalho (Arthur Omar, 1997, Antropologia da face gloriosa).

Num mundo dessacralizado, a fotografia seria o lugar de uma nova imortalidade, ou de uma ressurreição estética na qual a temporalidade de um corpo glorioso explode. Gloriosos tormentos. Nesses estados de transbordamento torna-se possível perceber o estilhaçamento da cotidianidade. Nas faces gloriosas que são divinas e demoníacas, carregam céu e inferno.

São os êxtases, os saíres de si, os estados gloriosos, manifestados nas faces gloriosas, que surgem em frações ínfimas de instantes em que esses estados (que são reais e que atravessam o indivíduo o tempo todo) se manifestam mais à superfície. Esses estados representam experiências e posições infinitamente mais complexas e refinadas do que o que se experimenta no cotidiano, e no mundo dos “papéis” em geral, inclusive no que está previsto no mundo da cultura. Sendo mais ricos e mais sofisticados do que se espera culturalmente e psicologicamente de um estado, eles representam uma contribuição, ou melhor, uma adição a um patrimônio, o que há de melhor que uma comunidade pode oferecer para sua própria identidade (Arthur Omar, 1997, Antropologia da face gloriosa).

Leite Zulu para harmonia química nacional


Mandarim da ambiguidade entre o ouro e a carne


A decapitação da noite é um ato parial


Disparando o sorriso como tiro de advertência


Rasgando o uniforme com taças de champanhe


Carrascos e estetas uniram-se


Segurando o destino para que não vire de bruços


O marginal do enigma será a rainha do ocidente

Um comentário:

  1. Precisamos desses esilhaços de caleidoscópio. Estilhaços da memória, estilhaços do olhar, submersos na pré história que estamos vivendo agora. Quiçá, acordemos entre esses fragmentos de olhar/olhares, sendo cativados dentro de cotidanos espantos!

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