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quarta-feira, 30 de junho de 2010

                                               

                                                 Evoé!


Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz (Maiakovski, 1907).


Na última quinta-feira (24/06), dia de São João, o Teatro Oficina, localizado na Rua Jaceguai, no Bexiga, em São Paulo, foi tombado em votação unânime realizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O processo de tombamento, que já tramitava há oito anos, vem reforçar a importância da proteção ao projeto arquitetônico de Lina Bo Bardi assinado em 1986, ameaçado pela especulação imobiliária praticada pelo grupo Silvio Santos, que ao longo de 30 anos de disputas tentou se apropriar do espaço do teatro e modificar o seu entorno para a criação de um shopping center e de um conjunto residencial. Preocupado em preservar a estrutura do teatro, ameaçada por essas construções, o diretor José Celso Martinez Corrêa pediu a Gilberto Gil, Ministro da Cultura em 2003, para providenciar o tombamento. O Oficina já havia sido tombado em esfera estadual pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) em 1983, mas isso não impediu que os projetos de Silvio Santos continuassem.

Com o tombamento pelo Iphan, o Oficina tem a esperança de conseguir, finalmente, realizar o projeto do Teatro de Estádio, também arquitetado por Lina Bo Bardi nos anos 1980, e que hoje integra um projeto cultural de amplas dimensões, o chamado Anhangabaú da Feliz Cidade, para o bairro do Bexiga, onde está localizado o Oficina desde 1961.


 
Para conhecer o projeto: http://teatroficina.uol.com.br/teatro_estadio


Para ouvir Zé Celso sobre o projeto: http://teatroficina.uol.com.br/radio_uzonas

Com a proposta de uma Universidade Popular Antropofágica emerge um “novo teatro varado de cidade e de luz”. Sim, a cidade penetra pelos poros desse teatro, em constante renovação na formação de outra mentalidade teatral, livre de classificações, aberta aos cultos e incultos. Que venham todos!


 
O poder econômico separa, a cultura agrega. Zé Celso espera que o próprio grupo Silvio Santos possa participar do AnhangaBAÚ da Feliz Cidade pois,


o teatro é justamente o ponto de encontro do corpo a corpo da humanidade, paradoxalmente despida de seus figurinos na sociedade de espetáculos, plugada pelo Eros dos ‘em mins’ na multidão, pelo tesão de estar junto, além das barreiras dos teatrões das diferenças sociais. Esse estar junto é o ambicionar de um desejo coletivo que tem suas origens remotas na orgya. Nos mistérios de Eleusis dos gregos (Zé Celso, 2004).

A conversão a Dioniso: retorno a um deus ctônico – das profundezas da terra, das regiões infernais, na mitologia grega. Deus do vinho e da embriaguez, é também o deus do teatro que tem origem na orgia: Do grego órgia, festa de Baco; festim licencioso; bacanal; festa solene em honra de Dioniso ou Baco, na antiguidade grego-romana; entretenimento que em geral, inclui companhia alegre, bebidas, etc. Desordem; tumulto; anarquia; profusão; desperdício (Dicionário Aurélio, 1999). A orgia de um tempo ancestral, mitológico, acontecia quando se amassavam uvas e as pessoas ficavam em torno, bêbadas e incorporando espíritos, e depois iam para debaixo da terra, dos mistérios de Eleusis, e contemplavam os órgãos sexuais. Por fim, tomavam vinho com um forte componente alucinógeno.

A cultura, nas dimensões erótica e estética, representa para Zé Celso uma possibilidade de transgredir o mundo das estruturas castradoras e o teatro, uma forma dionisíaca de estabelecer vínculos. As propostas para o Teatro de Estádio afrontam a cultura hegemônica através de sua atração erótica, estética, na vida cotidiana sem, no entanto, excluir a possibilidade de integrar essa cultura, dialeticamente, ao projeto libertário de uma Feliz Cidade.

Não há porque estabelecer uma esquizofrenia dividindo o projeto em dois campos: um de um shopping e outro de um Teatro de Estádio. A origem dos shoppings modernos paradoxalmente está nos mercados das Índias que tanto seduziam o século de nossa chamada “descoberta”. Está nos deliciosos mercados populares árabes-judaicos, nos Mercados Persas, nas feiras brasileiras, nas grandes lojas soviéticas do início da revolução comunista, que inspiraram o ocidente e nos portais de Walter Benjamin, ruas-passagens por toda Paris. Portanto, retomando essas origens, chegamos ao eterno retorno. Assim, num plano de criação, os programas se copularão. O que hoje se chama shopping, poderá ser um trans-shopping (Zé Celso, 2004).

O Teatro Oficina, na década de 1960, foi um importante centro de vanguarda e de resistência aos anos autoritários da ditadura militar no Brasil. O Oficina traz consigo a memória de sua trajetória contestadora, nessa fusão ou confusão do estar junto, em uma permanente redescoberta da lógica do afeto, e da recusa em dominar o mundo, mas da absoluta necessidade de festejá-lo. Dioniso, deus das festas orgiásticas, das profundezas da terra, regiões infernais é também o deus do estar junto, do corpo amoroso, percebendo o mundo não só com a seriedade e assepsia herdadas dos modernos, mas também com o ventre, e com a lógica dos sentimentos, fundamental para os momentos de criação, quando os programas se copularão.

Na dimensão dionisíaca do cotidiano repousa o jogo das paixões individuais ou coletivas – inquietação permanente que caracteriza aquilo que somos, e o que gostaríamos de ser, ou sonhamos ser. Os afetos, os sentimentos, nos levam à turbulência, ao desconforto da multiplicidade. E é no contexto dessa realidade plural que atuamos, percebendo nas teatralidades do cotidiano as duplicidades vivenciadas em oposição aos poderes e às artimanhas do dia a dia contra certezas ideológicas e moralismos coercitivos. O Teatro Oficina, potencialmente dionisíaco, se opõe àqueles que ditam como deve ser o mundo, nos ensinando sobre o devir, contrapondo-se ao dever.


 
A Companhia está atualmente em Salvador, realizando as Dionisíacas 2010, atravessando as noites juninas, iluminadas por fogueiras, em um momento histórico para o grupo.

Um comentário:

  1. OI, LOLÔ QUERIDA ! QUE PRAZER ABRIR ESSE BLOG! A LOUCURA DE ZÉ CELSO, A PIRAÇÃO DO PODER PRA TRANSFORMAÇÃO DO HOMEM, AI QUE ILUMINAÇÃO! COMO A DRA. NISE DA SILVEIRA E TODOS OS ENLOUQUECIDOS DE PAIXÃO, O ANHANGABAÚ DA FELIZ CIDADE, A CASA DAS PALMEIRAS, O TEATRO DE LONA, O CIRCO VOADOR, O ESPAÇO C. SÉRGIO PORTO. PRECISAM COPULAR OS DIAS DIONISÍACOS A PARTEJAR A ETERNA CRIAÇÃO. PARABÉNS ! ! ! tIA LÉA

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